A grande questão que paira actualmente sobre os Belenenses confunde-se com o anúncio da Zon: podemos ver futebol de primeira à mesma? Podemos, mas não é a mesma coisa.
Valha a verdade, até já o futebol de segunda se afigura suficientemente árduo para os azuis. Portanto, reajustemo-nos às novas circunstâncias e tenhamos calma; a mesma calma que o Estádio do Restelo emana das suas bancadas de cimento nu e frio, com o Tejo melancólico ao fundo a amparar os braços erguidos ao céu da Ponte e o Cristo-Rei a mandar um abraço lá da outra banda, soprando uma brisa fresca que transporta o doce aroma da canela e do açúcar em pó dos pastéis de nata acabados de cozer. Os Belenenses voltarão um dia a merecer uma fotografia que honre a família azul, como esta moldura impregnada de saudade.
Esta fotografia poderia ter sido tirada num dia de jogo, como se pode constatar pelo costumeiro frémito da maralha que enchia as bancadas do Restelo. Aqueles três tipos nos camarotes lá atrás eram mesmo danados para a festa. A equipa do seu coração equipava-se com o equipamento italiano do Mundial 90 – não há como disfarçar, nas golas está a bandeira de Itália; se o aproveitar destas sobras foi um tributo ou uma necessidade, não sabemos; mas lá que a Cruz de Cristo foi ali cerzida à pressão, lá isso foi. E há muito mais matéria por onde pegar, a saber:
- a omnipresença de Nito;
- o aspecto suspeito de Kobla;
- a finesse de Edmundo;
- the mood of the least happy of all Bulgarian players, sad Kov.
Mas nós vamos ignorar estes casos e avançar em direcção a outros, segundo recomendação do gabinete jurídico do Belenenses, instituição maior dentro da instituição-mãe e que já marcou quase tantos golos importantes como o Matateu ou o Chico Faria. Perante este parecer de tão reputado gabinete, aquiescemos sem reservas, mesmo contando com o apoio incondicional de António Fiúza para o que desse e viesse.
Mihaylov foi o Bejamin Button do futebol português. Foi adquirindo capacidades invulgares de rejuvenescimento com o passar do tempo. Nasceu sem próstata e com cataratas. Aos 15 anos apanhou uma crise ciática que quase interrompeu a carreira de jogador de dominó profissional. Aos 20 anos fez o seu primeiro jogo de futebol… à baliza, claro, que era coxo e precisava do poste para se agarrar. Aos 24 anos tornara-se num guarda-redes que pedia meças ao pico de forma do Best, embora ainda fosse incontinente e precisasse mais de Lindor anatómico do que de luvas. Aos 27 anos estava nos Belenenses, piscando o lho à selecção e dispensando o uso de medicamentos para corrigir a disfunção eréctil. Aos 31 anos, tinha cabelo com fartura e namoradas sem precisar de pagar-lhes uns quantos whiskeys, dando show nos EUA pela selecção. Nessa altura, Belém já era uma memória distante e Mihaylov um homem cada vez mais vigoroso. Depois aos 36, Mihaylov acabou o ensino secundário, integrou um casting para os "репички с оцет" (os “Morangos com Açúcar” da Bulgária) e nunca mais se soube dele. Pode estar a acompanhar a digressão do Justin Bieber, por exemplo.
Chalana dispensa apresentações. Ele próprio, reconheçamos, também não liga muito à apresentação. Contudo, o seu estilo ultra-blasé, a roçar o desmazelo puro, marcou pontos na década dourada dos torresmos, os anos 80. Com a chegada da proto-sofisticação dos anos 90, Chalana perdeu espaço e ganhou rugas, descendo a escada do sucesso aos trambolhões. Belém seria dos seus últimos estertores e daqui não leva boas recordações. Boas recordações leva de outros momentos, como nesta tertúlia entre “bigotis insignae”: Borges, o próprio Chalana e um tipo mascarado de Estaline com uns óculos supostamente engraçados.
Regressando a temas mais capilares, registamos o denodo belenense para emular artistas pop portugueses seus contemporâneos. Justino e Morato, em concreto, competiam em surdina para ser o fã nº1 de Marco Paulo (o cantor e não o actual treinador azul). Justino até talvez estivesse um passo adiante, como provou no cômputo das audições efectuadas, mas como não teve direito a cromo por ser eterno suplente, acabou por ser Morato a figurar na cover de um álbum apreendido numa feira em Ranholas.
Já Paulo Monteiro era um jogador polivalente que desenvolveu grande parte da sua carreira no Restelo e dali só saiu para ter prazer em representar o terceiro clube de outra cidade. Ele demonstrou de forma cabal a sua versatilidade ao inspirar um sem número de comparações graças à sua pomposa cabeleira.
Seria mais parecido com o seu primo Nel Monteiro?
Ou com José Malhoa (o pai da Ana e não o pintor naturalista)?
Ou seria com o José Cid?
Bom, o certo é que o rei vai nu e os Belenenses têm uma missão dura pela frente. E por muito inspiradores que sejam os cromos deste plantel, que não os levem muito à letra: é que esta equipa ficou em penúltimo no campeonato 1990/91.
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